sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

"Please, don't go", Double You!


Banda se apresenta no Canecão e leva nostálgicos dos anos 90 ao delírio

William Narraine, o vocalista: diálogos em português fluente e carisma incomparável para conquistar a platéia afoita do Canecão

Para muitos, não passa de "údigrudi", "bate-estaca", subproduto. Os cães ladram e a caravana do Double You passa. São anos de estrada e uma repercussão fenomenal em terras tupiniquins. Tanto que a banda tem aqui na antiga "Terra de Vera Cruz" empresários brasileiros - os únicos "locais" da turma. É muita afinidade com o país, sobretudo pelo carinho confesso pela cidade do Rio de Janeiro. Tudo isso ficou claro no show da banda, realizado ontem à noite no Canecão, a mais tradicional casa de shows da Cidade Maravilhosa.

A galera carioca mais trintona e mais quarentinha não esquece as muitas noites de balada na Zoom de São Conrado, na Meio Ambiente do Alto da Boavista ou na Babilônia do Leblon - além da infinidade de bailes eletrizantes da noite suburbana da cidade - ao som de hits mega-dançantes como "Please, Don't Go", "Run To Me", "Part Time Lover" ou "Heart of Glass". E quem daquela época nunca trocou um beijo apaixonado ao som de "She's Beautifil" ou "Looking at My Girl"?

Pois é: se não tinha o engajamento ferrenho (Depeche Mode era a mais discursiva, Pet Shop Boys a mais sarcástica, New Order a mais sombria, para citar alguns exemplos) das bandas eletrônicas que a sucederam nos anos 80, o Double You dos anos 90 foi a única daquelas bandas de dance específico para pistas de boate que conseguiu a proeza de impor uma marca pessoal. Ao contrário da frieza e da impessoalidade das demais, centradas em DJs e produtores musicais que pouco apareciam ou se relacionavam com o público, o Double You atravessou a fronteira e quebrou o gelo dessa indiferença. A proeza deve-se inegavelmente ao estilo pessoal e extremamente carismático de seu vocalista, William Narraine. Além de manter contato direto com a platéia, dialogando e sorrindo o tempo todo, William dança, gesticula e comanda a audiência, além de apresentar um timbre e uma extensão de voz muito superiores aos de seus congêneres. Falar um português praticamente fluente foi a demonstração mais clara possível de proximidade com o público. Sobretudo quando afirmou que estavam todos "muito feliz" e corrigiu imediatamente o plural "felizes": ovação imediata. O respeito pela língua é o respeito pela pátria!

Não se trata de um show pretensioso: bons músicos, uma boa iluminação, um grupo dançando freneticamente coreografias pouco inovadoras de street dance e a voz marcante do mestre de cerimônias Narraine mostram força suficiente para fazer a festa. A maior inovação pode ser talvez o fato de bailarinos muito acima do peso dançarem com grande prestígio no palco do Double You. Fora isso, é Narraine quem 'larga o dedo" e solta o "pancadão pra galera", agitando a moçada com o som que balança quadris mundo afora. A banda que acompanha William é competente o suficiente para adicionar ao molho techno pitadas extra de puro pop rock, como nas leituras inspiradas de "We Will Rock You" (Queen), "With or Without You" (cantada no show na versão rock original) ou a moderninha "Open Your Eyes" (Snow Patrol). O séquito mostrou-se tão emocionado e afiado com cada uma delas quanto nas eletrizantes granadas musicais de autoria do próprio grupo. Se já nos anos 90 eles aqueceram as pistas com hits dos 70 como "Please Don't Go" e "That's the Way", por que não o fariam com outros mais recentes?

Naraine fez discurso de felicidade por estar no Rio, declarou sentir-se já "bem brasileiro", fez vários números a mais após terminar o show e ainda convidou Latino (um dos sócios da produtora que trouxe a banda) ao palco para o bis de "Please Don't Go", a mais pedida da noite. Latino ensaiou um discurso, confessou seu inglês parco, arriscou somente o refrão e alguns gritinhos de animador de festa. Tentou "entrar" no show cantando seu malfadado apê ao som de guitarra mas percebeu que, apesar da simpatia dos visitantes, não parecia muito aclamado pela platéia. Discretamente saiu de fininho e recebeu lá seus aplausos de gentileza.

Camisa azul da seleção brasileira, Narraine exalava felicidade cantando no Canecão. A apresentação do Double You mostrou músicos em grande forma (falando nisso, William Narraine não sentiu em nada o passar dos anos) e mais um desses curiosos casos onde um público acostumado com música de boa qualidade e letras mais compenetradas também pode optar por algo descartável e não menos interessante. É a máxima do pop perpetuada no ano 2000. No fundo, no fundo, somos todos como aquela Natasha do Capital Inicial: o mundo pode acabar, o que a gente quer é dançar!