domingo, 2 de março de 2008

O estranho mundo de Günter Bauer

Quando Günter atravessou a Alexanderplatz, viu-se diante da imponência da Ferhnseturn e pensou: "a que altura, afinal, eu estou em relação a todas essas coisas?".

As coisas às quais Günter se referia eram seus pensamentos. Enlevado por cada um deles, sentou-se à praça, de costas para a Nikolaiviertel, e deu vazão a seus pensamentos enquanto contemplava o céu azul-cinzento de uma tarde dedomingo sem chuva em Berlim.

O que Günter não aceitava era a pressão externa provocando mudanças em seus planos e seu estilo de vida. Independente, solteiro, responsável, sobrevivente ileso de todos os dilemas que o trinômio sexo-drogas-rockn'roll causou à sua geração, Günter jamais se arrependeu de não ter cometido excessos. E de fato nunca os cometeu. Sempre fora reservado. Altruísta. "Autista", por vezes, no sentido de reconhecer e preservar valores aos quais se dedicava intensamente, mesmo sabendo que estava na contramão da história e de seus iguais.

Era exatamente por isso que a alma de Günter via-se angustiada com a intromissão alheia. Não que fosse uma pessoa sensível ou frágil diante das pressões. Tinha na alma uma mistura homogênea de extrema doçura com força selvagem. Sabia, como poucos, lidar com a adversidade e dobrá-la como ninguém. Um amigo, certa vez, deu-lhe a mais fiel tradução: "você é um iconoclasta". Mas era mesmo: derrubar mitos, vencer obstáculos e ultrapassar fronteiras não lhe pareciam impossibilidade.
Desde cedo, transcendeu o universo restrito que lhe fora imposto. Como un anjo de Win Wenders do alto do Siegssaule, observava a vida de forma panoramica. Assim, aprendeu a desvendar os caminhos mais detalhados da sua cidade. Rompeu fronteiras, atravessou fases difíceis, conquistou o respeito e o coração das pessoas com quem esteve e por onde passou. Como derrubador de mitos, foi também mito para muitos dos que por ele passaram. Mas Günter Bauer tinha a inquietude de um viajante, a imprecisão de um andarilho, a curiosidade de um visitante. Amava o incômodo, o inconformismo, o ousado, o novo. Günter era vanguarda. Ou pós-modernidade - como prefiram.

Por conta desse espírito errante e divagante, refutava a mesmice. E percebia, de longe, quando uma voz retrógrada, como um sistema de sucção, parecia chamá-lo de volta à trilha de conformismo que ele, um dia, abandonou.