A imprensa brasileira pós-ditadura tem desempenhado um papel, no mínimo, dúbio quanto a seu real propósito de instituir e promover a realidade dos fatos. Deslumbrada com a "abertura" e com a conseqüente ausência de controle, passou a exercer, por razões subjetivas ou mercadológicas, o papel até então desempenhado pela própria ditadura, que era omitir/manipular informações e fatos, segundo obscuras intenções.
Com o passar dos anos, a imprensa confundiu-se com a mídia, o jornalismo fundiu-se ao marketing. Perdeu-se a insígnia da ética e do bom senso em prol do espetacular. Assim, o pagodeiro-traficante tem tratamento diferenciado do traficante-traficante, a mulher nua do sambódromo vira símbolo sexual em capa de revista, a troca das cervejas enaltece a "malandragem" do sambista sem revelar o mau caratismo da transação escusa. A mesma lógica espetacularizadora justifica a execração pública das igrejas evangélicas, incansáveis combatentes do álcool e do tabaco que historicamente patrocinou a força econômica dos meios de comunicação.
Diante de um quadro desses, não se pode esperar que um veículo ou seus constituintes tenham a coragem de se impor contra uma força popular. Entenda-se: não por razões ideológicas, mas por questões meramente comerciais. Explica-se: se há uma hegemonia que possibilita lucros maiores, quaisquer princípios de ética e bom senso deixam de ser aplicados, e prevalece a lógica do capitalismo selvagem.
Não haveria razão, para tanto, que abríssemos os jornais nesta segunda-feira, dia 25 de fevereiro, e pudéssemos ver a grande imprensa questionando a situação, no mínimo capciosa, que permeou o clássico Flamengo x Botafogo, ontem à tarde, pela final da Taça Guanabara. A sucessão de equívocos justificáveis e aparentemente pouco relevantes do árbitro Marcelo de Lima Henrique não sobreviveria a uma análise mais detalhada de sua postura o jogo todo, invertendo faltas, usando critérios díspares e atuando de forma coercitiva somente com a equipe alvinegra. Sobreviveria menos ainda a uma matéria bem produzida que relacionasse, por comparação, a atuação desastrosa do juiz no jogo de ontem e a punição recente de Edílson Pereira de Carvalho, em 2005, no episódio conehcido como "máfia do apito". Por analogia, ficaria clara a relação de parentesco entre a forma como Edílson confessara alterar os resultados das partidas e a atuação de Marcelo no jogo de ontem. Ainda que não se possa manifestar juízo acerca do assunto, o episódio das "papeletas amarelas", protagonizado por dirigentes rubro-negros na década de 80, também seria exemplo claro de como esse tipo de erro pode e deve se repetir muito nos gramados do Brasil.
Essas possibilidades jornalísticas, no entanto, sucumbiram às manchetes da "conquista" rubro-negra - certamente muito mais rentável aos cofres das empresas do que a lisura e a busca da verdade em todo o processo.
O que não se pode desprezar é a postura de homens de família, atletas, trabalhadores, profissionais de respeito e honra, que se propuseram a comparecer chorando a uma coletiva de imprensa, como protesto e manifesto contrários à avacalhação pública a que foram expostos pelo decorrer da ifname partida de futebol disputada. Fato inédito no futebol, não pode ser lido meramente como "apelação", "melodrama" ou "choro".
Aquela cena dos homens chorando com a camisa do Botafogo precisa de uma leitura muito maior do que essa, que exalta os "vencedores" sem questionar os reais méritos de quem vence, e ainda os meios percorridos para a conquista.
Enquanto os (maus) torcedores e (péssimos) atletas tiram proveito da situação para comemorarem o ganho ilícito, se justificando por uma malefício nacional chamado "alegria do brasileiro" (que, aqui, serve para justificar toda sorte de despudores cometidos sequencialmente), o esporte descortina essa triste e nada honrosa mazela de nosso povo que é dançar freneticamente uando algo fica impune ou acontece ilegalmente.
A malfadada "dança do créu" e as provocações do sub-atleta deseducado e grosseiro chamado "Souza" (variante dos "Silva", e, assim, um brasileiro qualquer) foram interpretadas pela imprensa - sabe-se a troco de que - de forma diferente da dança da deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) diante da impunidade de uma investigação no Congresso. As declarações destemperadas e arrogantes do sujeito também foram lidas como espontâneas e folclóricas, como se apenas aquela torcida fosse divertida e criativa, e a ela, bem como aos jogadores a ela ligados, tudo fosse permitido. Já na semana anterior, o jogador de nome Ibson declarou, em entrevista, ter se dirigido a Edmundo, antes da cobrança de um pênalti, para desestabilizá-lo e fazê-lo errar. Se a prática é comum no futebol, parece-nos, entretanto, reprovável quando reflete o caráter de um atleta capaz de afirmar publicamente, diante de enorme repercussão e em mídia de massa, que acossa e acua seus companheiros de profissão. A assertividade com que ele revelou o feito e o sorriso maroto de quem "triunfou" em sua empreitada deram à audiência a certeza de que todos devem e podem agir assim: vencer na vida é, segundo essa filosofia, sabotar a concorrência.
Não há o que se estranhar. Um país é o retrato de seu povo, e a imprensa reflete também aquilo que seu povo lê e aquilo que seu povo é. Como dizia Baudrillard: "as massas só querem o espetáculo". O que se questiona e se lamenta é a omissão travestida de isenção da imprensa esportiva que, nessas horas, vira balcão de vendas em lugar jornalismo.
Lamentavelmente, a FIFA tem tratados e estudos sobre o chamado "antijogo", mas não é capaz de desconfiar de seus juízes, da moral regente nos campeonatos de seus confederados e menos ainda de considerar também antijogo o escárnio dos maus profissionais desprovidos de bons costumes como respeito, decência e educação.
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