quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O despertar da Portela

Vai, minha águia guerreira!
Portela retorna ao desfile das campeãs e recupera a força de sua tradição

A águia de 22 metros abre o desfile com grandeza: a Portela voltou a ser forte no carnaval do Rio

O título ainda não veio. Sejamos sinceros: nem fez tanta diferença. Ela tem 21 campeonatos e está longe - muito longe - de ser alcançada pela Beija-Flor, chamada por uns afoitos de "novo bicho-papão". Entre injúrias a jurados supostamente tendenciosos e críticas ao subjetivismo das notas, o torcedor portelense está em festa: há muitos anos a Portela não vinha tão grandiosa, tão aguerrida, com samba tão bonito e disputando com tanta força as primeiras colocações.


Alegorias grandiosas e bem acabadas: a marca do retorno da Portela à elite dos desfiles


O ânimo dos portelenses, que até apostaram no título, não era lá uma questão tão passional assim. A Portela foi a última das grandes escolas a começar e a terminar seus trabalhos de barracão. Apesar disso, a escola mostrou um naipe de alegorias que arrebatou o sambódromo no domingo de carnaval. E somente ela, além da vencedora oficial, arrancou os gritos de “é campeã” após sua passagem pela Sapucaí.


Alessandra, Cahê Rodrigues e Diego Falcão: a nova cara de uma nova Portela

O carnavalesco Cahê Rodrigues, tido como um dos mais promissores talentos da nova safra de artistas do carnaval carioca, desenvolveu um belíssimo trabalho, subvertendo as dificuldades de um enredo aparentemente sem novidades em um desfile contagiante e original.


A primeira fase do enredo explorou o que a Portela tem de melhor: a riqueza de seu azul inigualável – aquele que Paulinho da Viola sabiamente eternizou como um azul indefinível que “não era do céu, nem era do mar”. Foi exatamente esse azul sem explicação que Cahê utilizou para representar a água como fonte eterna da vida, desde a comissão de frente com movimentos que pareciam desaguar na avenida até os primeiros carros e uma belíssima ala de baianas.




A comissão de frente da Portela desaguando na Marquês de Sapucaí

A chuva poderia ser um problema, mas acabou se incorporando à temática do desfile, virando pano de fundo para a passagem dessas primeiras alas. O que se viu logo depois foi um show de acabamento e bom gosto nas alegorias, além de muito movimento e comunicação com a avenida, que ficou deslumbrada com a simpatia do gorila africano e dos ursinhos no carro que aludia ao perigo do derretimento das calotas polares.

Alegorias com animação e muito didatismo foram pontos fortes do desfile da Portela em 2008

Além de uma águia gigantesca que entra para a história da escola como o maior abre-alas já apresentado, Cahê criou ainda alegorias geniais, como a impactante figura de um bebê esquálido e doentio que renascia, rodeado por flores que também brotavam em plena avenida. Uma metáfora da vida e do renascimento. Metáfora que também tem muito a ver com a necessidade da própria escola, suprema campeã dos carnavais, que há muito não reencontra o caminho dos campeonatos.

Dois momentos distintos: o carro do bebê subnutrido se transformava em um bebê saudável, e flores desabrochavam na bela alegoria portelense, aplaudidíssima na Sapucaí

A ÁGUIA, ENFIM, DESPERTA

O segredo para o renascimento da Portela está numa mescla inconfundível de sua tradição com novos valores. É a política do presidente Nilo Figueiredo, que apostou na inovação, mas não esqueceu os baluartes da escola – a mais prestigiada Velha Guarda da história do samba.

Velha Guarda da Portela: orgulho em destaque em um dos carros da escola

A “prata da casa”, então, começou a aparecer. A começar por sua aclamada ala de compositores. A linhagem de sangue azul de monarcas (“monarcos”, para fazer um trocadilho bem portelense) do samba abriu espaço para nomes fortes como Ciraninho, Diogo Nogueira e Junior Escafura. O trio descobriu um jeito muito especial de fazer samba com a alma e a verdade da escola, conseguindo criar hinos que caem facilmente no gosto e na voz do portelense. O resultado dessa química tem sido uma escola que canta e evolui com mais graça e empenho, ajudando a harmonia da escola e animando sua torcida.

Ciraninho e Diogo Nogueira: a nova linhagem e o futuro da Portela estão aí!

Diogo Nogueira e Ciraninho vêm aparecendo com destaque nas rodas de samba da cidade e na Nova Lapa, recanto da boemia carioca onde o samba tem sido revitalizado e conquistado a juventude de todas as classes sociais da cidade. Essa nova geração, somada ao talento de Teresa Cristina e de mitos recentes da MPB como Zeca Pagodinho e Marisa Monte, construiu a ponte para que a Portela pudesse ligar o passado ao presente e projetar um futuro, sarando a perda de nomes fortes como Clara Nunes, João Nogueira, Agepê e Elizeth Cardoso. A nova Portela apresenta candidatos sérios a baluartes futuros, abençoados pela “velha guarda formosa e faceira” e pelo brilho iluminado de Tia Dodô, a primeira porta-bandeira e primeira-dama da azul-e-branco de Madureira.

Dodô: referência absoluta da uma Portela que tem história para contar

O mesmo se pode dizer do vozeirão inconfundível de Gilsinho, nova marca registrada da agremiação. Portelense apaixonado, parece ter encontrado sua morada perfeita, soltando o gogó com alma e coração pela escola que ama. Seu talento e sua extensão vocal têm dado a impressão de que nasce um “novo Pavarotti do samba”, apelido dado anos atrás ao cantor Rixxa, que também teve passagem brilhante pela águia de Madureira.


Gilsinho (com Diogo Nogueira à esquerda): a nova voz da águia azul-e-branca

O reflexo dessa renovação está na multidão que freqüenta as tradicionais feijoadas da Velha Guarda portelense nos primeiros sábados de cada mês: a juventude comparece em peso para experimentar os quitutes dos bambas da escola. Assim é a Nova Portela: uma escola renovada onde as novas gerações literalmente são alimentadas pelos guardiões dos segredos do passado.

UMA PORTELA AINDA MELHOR EM 2009

Gilsinho: o novo Pavarotti do samba

Muita coisa poderia ter sido melhor na passagem da Portela pela avenida neste ano de 2008, é verdade. A começar pelas promessas Alessandra e Diego Falcão, o casal de porta-bandeira e mestre-sala, que teve problemas com a roupa e não evoluiu a contento, obtendo notas pouco produtivas para a escola. Num momento em que esse quesito passou a gerar um verdadeiro mercado livre de compra-e-venda de passes, a Portela, mais uma vez, aposta na “prata da casa” e incentiva o jovem casal a escrever seu nome nos anais da escola. A dupla, certamente, vai se aprimorar e superar o problema deste ano.



O carnavalesco Cahê Rodrigues está de parabéns, pela coragem e pelo talento que mostrou em seu trabalho. Assumindo a escola sozinho, longe de seu ex-companheiro de carnaval Amarildo, Cahê pareceu bem mais criativo e competente, dando sua assinatura e estilo aos carros e fantasias da Portela, devolvendo à escola a grandeza que lhe é peculiar.

Cahê Rodrigues e Diogo Nogueira: abraçando um futuro brilhante para a Portela

Mais do que o título, a Portela recuperou sua força e prestígio, deixando claro que, acertando mais alguns poucos pontos aqui e ali, pode alçar vôo tranqüilamente ao pódio das campeãs.
Que ela, aliás, conhece como nenhuma outra de suas respeitáveis co-irmãs.

Vai na ginga, Portelaaa!!!




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